Crônicas / Gumercindo Carniel, que punha para funcionar a máquina da Folha do Norte

 Vindos do interior paulista, os irmãos Carniel eram donos de 40 alqueires em Maringá, numa faixa de terra que incluía o Jardim Industrial, o Parque Itaipu até o Contorno Sul. Antonio chegou primeiro, em 1944, viu as terras, gostou, alugou uma casinha e chamou os irmãos. Adquiriram as propriedades junto à Cia Melhoramentos Norte do Paraná.

     José, um dos irmãos, sitiante em Presidente Bernardes, a esposa Benedita da Silva Carniel e os filhos Darci, Doraci, Vandir, Dilson, Vilson, Gumercindo e Vanilde foram morar numa baixada, às margens do rio Borba Gato, próximo de onde hoje é o Parque do Japão. Uma casinha pequena cercada de mato. Noites de breu com a luz de lamparinas. No rio tomavam banho e lavavam roupa muitas vezes observados por pacas.  Muitas pacas nos banhados de Maringá. As antas, os Carniel viam mais para dentro da mata. Descendo em direção à Placa Pinguim, era possível ver também porcos do mato, que os pioneiros chamavam de catetos, veados e queixadas.

     Quem conta estas histórias é um dos filhos de José: Gumercindo Carniel, nascido em Presidente Bernardes no dia 5 de novembro de 1930. “As onças não cheguei a ver. Elas avançam mais para dentro do mato, mas os outros bichos eu vi bastante.” Ele conta que para formar a lavoura de café, nordestinos que vinham em caminhões pau de arara fizeram a derrubada da mata, contratados por “gatos”, os que intermediavam com os proprietários dos sítios.

     A compra de mantimentos era feita no Maringá Velho, na Casa Planeta, de Angelo Planas, localizada na avenida Brasil esquina com a Rua Moscados, hoje Santa Joaquina de Vedruna. Planas chegou em 1944 e a construção da sua casa comercial, com oito portas, a maior da época, foi concluída em 1946. Gumercindo se recorda que eles iam de carroça até o Maringá Velho. O melhor trajeto era subir em direção à estrada para Campo Mourão e depois tomando o caminho à direita. Uma outra picada foi aberta posteriormente: a subida por onde hoje é a avenida Nildo Ribeiro da Rocha e virando à esquerda na atual avenida Carlos Correia Borges.

     Vieram as colheitas de café, gente chegando na cidade, indo para os sítios, os Carniel começando a ter vizinhos. A comunidade aumentando, a cidade se desenvolvendo. Em Presidente Bernardes, Gumercindo estudou até o quarto ano primário, por isso, logo se tornou professor de crianças e adultos. Quando não estavam na roça, o passatempo dele, dos irmãos e amigos era tomar banho no rio, jogar bola no pasto que hoje é a Paróquia e o Santuário de Santa Rita de Cássia, no Parque Itaipu. Gumercindo era goleiro, mas não tinha futebol para jogar no time do SERM, clube criado naquela década. Seu irmão Darci, já falecido, jogava muito bem, afirma. “Darci era bom de bola e bom de dança. Gostava de um baile.” Bailes com barraca nos terreiros de café. Gumercindo, sempre mais comedido, era o rezador de terços da família. Saía à noite, empunhando o lampião para rezar nas casas dos vizinhos.

     Casou-se com Neusa na década de 50, com quem teve três filhos e é avô de três netos. No final dos anos 50, a família chegou a ter um comércio de secos e molhados no Maringá Velho, que também servia refeições. Era a Venda do Carniel. Em 1962, procurando emprego na cidade, conseguiu vaga de faxineiro no jornal Folha do Norte do Paraná, fundado naquele ano, que funcionava na rua Neo Alves Martins. Ficou amigo dos técnicos da Tejaner, empresa carioca que havia vendido a rotativa para dom Jaime Luiz Coelho, o dono do jornal. Gumercindo foi aprendendo o funcionamento da máquina, descobria qualquer defeito, até que, dois anos depois, se tornou o responsável pelo setor. Quando Joaquim Dutra montou O Diário do Norte do Paraná, em 1974, levou Gumercindo para trabalhar com ele. E lá ficou até se aposentar tendo Frank Silva como patrão e grande amigo. Aposentou deixando como marcas a simpatia e um admirável profissionalismo.

     Católico praticante desde os tempos de criança, é amigo do monsenhor Geraldo Schneider e também foi de dom Jaime, seu patrão. E foi numa igreja que conheceu Elza Meschiari em 2002, na Igreja São Miguel Arcanjo, no bairro Aeroporto, onde ela era ministra da eucaristia. Diante da timidez do casal, a dele muito mais latente, amigos promoveram o encontro. Elza, mãe de três filhos, cinco netos, quatro bisnetos, estava viúva há 14 anos. Em janeiro de 2003, se casaram e, coincidentemente, moram no Parque Itaipu, bem próximo do lugar em que Gumercindo morou com os pais e os irmãos nos anos 40.

     Gumercindo tem a doença de Alzheimer, mas não admite. A memória não é mais sua parceira, lhe traindo muitas vezes. Fica nervoso quando não consegue completar uma história, uma passagem. Elza vem em seu socorro e complementa, lhe faz um carinho na cabeça e o acalma. Ele aponta para as fotos antigas, vai dizer algo, mas as palavras não vêm. Sorri quando consegue se lembrar de um nome, de um lugar.

     A esposa conta que até pouco tempo atrás eles saíam pelo bairro e ele mostrava onde ficava a casa em que morou, falava do pai José, da mãe Benedita, dos irmãos, falava dos cafezais, das muitas bananeiras na baixada do Parque do Japão, das hortas, do banhado. Mesmo com toda a paisagem alterada, suas reminiscências o levavam para os lugares que lhe eram tão caros na sua velha Maringá. Hoje, Elza é o lampião que ilumina as noites de Gumercindo.

(Crônica de Antonio Roberto de Paula originariamente publicada no livro “Maringá 70 anos – a cidade contada pelos que viveram sua história”, editado pela Unicesumar, tendo como autores Antonio Roberto de Paula, Dirceu Herrero Gomes, Miguel Fernando Perez Silva e Rogério Recco, 2017, 2018)      

 

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