Crônicas / Memórias do filho de Napoleão Moreira da Silva, jogador do SERM

    Quem deu a notícia que o seu pai havia morrido foi o diretor da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, Hermann Moraes Barros. Em 1957, aos 23 anos, Lauro Fernandes Moreira estudava agronomia em Piracicaba, no estado de São Paulo, quando, na manhã do dia 11 de abril, recebeu a ligação de Hermann informando que Napoleão Moreira da Silva estava no avião que havia caído no Pico dos Papagaios no dia anterior e não tinha sobrevivido. Napoleão estivera reunido com deputados federais paranaenses do seu partido, a UDN.

     O voo do Douglas DC-3 da Real Aerovias-Nacional, com 30 pessoas a bordo, sendo 26 passageiros e quatro tripulantes, saiu do Rio de Janeiro às 17h30 com previsão de chegada em São Paulo às 19 horas. Às 1830, debaixo de uma forte tempestade, o avião bateu na encosta do Pico dos Papagaios quando tentava fazer um pouso de emergência em Ubatuba devido a uma pane em um dos motores. Apenas três passageiros e um tripulante sobreviveram.

     Napoleão Moreira da Silva, comerciante pioneiro do Maringá Velho, baiano de olhos claros, que chegara com a família em junho de 1945, vindo de Ituverava-SP, foi vereador em 1947 por Mandaguari e depois eleito com 304 votos, o mais votado, para a primeira legislatura de Maringá, em 1952, pelo PTB, partido do prefeito eleito Inocente Vilanova Junior. Depois, Napoleão foi para a UDN, tentou se eleger deputado estadual, mas não obteve êxito, contudo, era uma das lideranças do partido em Maringá e na região. Seu nome ficou imortalizado na cidade. Pela Lei nº 32/57, a chamada Praça da Rodoviária, que depois da transferência do ponto dos ônibus a população passou nominar como praça das charretes, se tornou oficialmente Napoleão Moreira da Silva.

     O filho de Napoleão interrompeu o curso em Piracicaba, na prestigiada Esalq, Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, instituição criada em 1901 e pertencente à USP, porque lhe coube administrar as propriedades da família, uma iniciativa e uma decisão da sua mãe Armelinda Fernandes Moreira, chamada de Dona Arminda: uma fazenda próxima de Iguaraçu e um sítio em Paranavaí. Lauro tem três irmãs, Nilza, Cecília e Lúcia, que se casaram e residem até hoje em Maringá.

     O inventário dos bens de Napoleão foi feito pelo advogado Haroldo Leon Peres. O pai havia comprado a fazenda por meio de um empréstimo no Banco Nacional de Minas Gerais, que tinha Murilo Macedo como gerente. Lauro conseguiu pagar todas as parcelas e outras dívidas em que Napoleão era avalista: “Meu pai pagou muita conta para os outros. Ele endossou muitos empréstimos bancários. Tive que pagar. Depois, eu ia atrás dos devedores para receber, mas não deu para recuperar nem 10 %.” Antes de 2000, o filho vendeu as propriedades.

     Entre os anos 70 e 80, ele foi diretor e conselheiro da Cocamar, diretor da Cia de Laticínios de Maringá, a Colmar, no período em que trabalhou com Anníbal Bianchini da Rocha na presidência e foi implantado o leite pasteurizado.

      Nascido em 7 de janeiro de 1934, Lauro conta que se lembra bem do cenário da cidade quando chegaram em 1945: “Meia dúzia de quarteirões, um médico, o Dr. Lafayete Tourinho, uma farmácia, do Mario Jardim, o comércio de secos e molhados e bares. Muito barro, uma mata alta.”

      O curso primário ele havia concluído antes, na escola da fazenda onde morava, 11 quilômetros de Ituverava. Como em Maringá não tinha o ginasial, seu pai o mandou para Cambará, em um colégio interno, onde fez dois anos do curso. Em 1947, mandado para o Colégio Cristo Rei de Jacarezinho, onde concluiu o ginásio. Nova mudança em 1949, em Curitiba, para estudar e ser reprovado no primeiro ano do científico. A volta no ano seguinte a Jacarezinho porque a instituição retornava com o científico, que ele terminou em 1952. Naquela cidade, serviu no Tiro de Guerra, quando foi colega de turma de José Richa, futuro deputado federal, senador, prefeito de Londrina e governador do Paraná.    

     Lauro era apaixonado por futebol. A explicação mais exata para a reprovação no primeiro ano em Curitiba foi a bola. Em 1950, jogou no juvenil do Coritiba. Quando vinha passar em férias em Maringá, atuava no time do SERM, clube fundado na década de 40, com o campo no Maringá Velho. Na equipe, era chamado de professor, mesmo sendo bem novo, afinal era um rapaz da cidade estudando fora enquanto a maioria dos jogadores ou tinha pouco estudo ou mal sabia escrever. Era zagueiro e dos bons. Além do SERM, chegou a jogar no Esporte Clube Operário de 1955 a 1956, também durante as férias.

     Nesta época ele estava em Piracicaba, primeiro no cursinho preparatório para o vestibular e depois na faculdade. Lá, ele fez testes no XV de Piracicaba, mas não pensou em insistir. A dedicação era para os estudos, exigência de Napoleão que ele vinha obedecendo e estava animado com a agronomia. O plano era se formar e trabalhar nas terras da família. A morte do pai interrompeu o planejado. Os estudos foram reiniciados em 1971, quando fez parte da primeira turma da história do curso de administração de empresas da UEM. A esposa Maria Catarina é formada em geografia, também pela UEM, foi professora no Colégio Regina Mundi e está aposentada há treze anos. Ele e Maria Catarina começaram a namorar em um baile caipira no Aero Clube. E se casaram em 1959.

     O Aero Clube, fundado em 1949, lhe traz boas recordações. Ele e Catarina namorando, jogando basquete na quadra de terra que também era para o jogo de tênis, os grandes bailes de Carnaval... Concorridos eventos eram realizados ali, na avenida São Paulo, onde hoje é um supermercado: “Era um grande orgulho para a cidade. No auge do Aero Clube, anos 50, tinha a sede social no centro e o hangar no Aeroporto (na avenida Dr. Gastão Vidigal). Eu cheguei a voar num monomotor. O Aero Clube tinha a maior formação de pilotos do Brasil. Para você ter uma ideia do conceito do clube, a Aeronáutica doou dois aviões monomotores para os cursos”, afirma Lauro, que destaca daquele grupo de instrutores o instrutor-chefe Vitor da Silva Neuber e Carlos Bueno Neto.  

     Frequentador do Aero Clube e do Clube Hípico, este fundado em 1956, Lauro conta que os clubes conseguiam sobreviver nos primeiros anos de fundação graças à abnegação dos seus diretores. “No Hípico, fui convidado pelo Jitsuji Fujiwara para ser o tesoureiro do clube. Quando faltava dinheiro para pagar as contas, ele tirava do próprio bolso e nunca pediu ressarcimento.” Hoje, pelo estatuto do clube, Lauro não precisa pagar a mensalidade no Hípico, mas parou de frequentar: “Meus parceiros de baralho morreram todos”, justifica, entre pesaroso e brincalhão.

     O zagueiro habilidoso, o menino professor, pioneiro saudoso dos bailes do Aeroclube, do futebol, dos amigos que se foram, que não teve filhos, mostra fotos antigas, escala o time do SERM, aponta amigos e parentes, vai até a estante e traz sorridente um troféu de campeão de truco. No ano passado, foi homenageado por ser um dos mais antigos jogadores de futebol de Maringá. Olhou para uma foto sua, em tamanho natural, dos tempos do SERM e ficou sem saber o que dizer. Só olhou para os lados, encheu os olhos d´água e sorriu como se dissesse satisfeito e agradecido: “Valeu a pena.”   

 

(Crônica de Antonio Roberto de Paula originariamente publicada no livro “Maringá 70 anos – a cidade contada pelos que viveram sua história”, editado pela Unicesumar, tendo como autores Antonio Roberto de Paula, Dirceu Herrero Gomes, Miguel Fernando Perez Silva e Rogério Recco, 2017, 2018)      

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