Crônicas / O goleiro no campo de terra levantando a poeira da saudade

     Jorge Fregadolli, nascido em Quatá, São Paulo, em 2 de março de 1938, filho de José Fregadolli e Palmyra Bóro Fregadolli, chegou a Maringá no dia 1º de fevereiro de 1953, numa época em que já se podia antever o célere desenvolvimento da cidade.

     Logo que os Fregadolli chegaram, foram trabalhar numa fazenda onde hoje é o campus da Unicesumar.   O menino Jorge convivia com um cenário de rápidas mutações. Cada ida ao Maringá Novo era uma novidade. Com 16 anos, concluiu o ginásio e logo se tornou professor na escola rural próxima da fazenda.

     Alguns anos depois, em 1958, arrumou emprego no Banco Nacional de Minas Gerais. Uma paixão sempre presente em sua vida é o futebol. Goleiro dos bons, corajoso, voluntarioso e que não dava sossego para seus zagueiros, sempre chamando a atenção na marcação, Jorge jogou futebol de campo e futebol suíço em incontáveis times da cidade. A maiores recordações da bola são do seu tempo de rapaz nos anos 50: “Os jogos eram disputadíssimos, em campo de terra batida. Jogadores vestiam a camisa do time e botavam a bola para correr, com muita garra. O difícil era arranjar adversários para jogar, pois poucos eram os times da época, tinha o Melhoramentos, o Banco do Brasil, o Mandaguari, o Marialva, o 10 de Maio...”

      Em 1960, no dia 26 de maio, se casou com Irene da Freiria com quem teve três filhas e quatro netos Em 1961 se formou na primeira turma da Escola Técnica de Comércio de Maringá, dirigida por dom Jaime Luiz Coelho. A entrada na imprensa aconteceu em 1967, na Folha do Norte do Paraná, jornal que circulou de 1962 a 1979 e do qual ele foi proprietário nos últimos anos. Formou-se em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, em 1974, mas sua vida é ligada ao jornalismo. Em 1980, fundou a Folha de Maringá, jornal extinto, e no ano seguinte lançou a revista Tradição, que se tornou um precioso arquivo da história de Maringá pelas reportagens e pelo acervo fotográfico.

    No setor imobiliário, foi o primeiro delegado regional do Creci e Sindimóveis de Maringá, de 1974 a 1978, e é associado ao Rotary Club de Maringá desde 1985.

     Para Jorge, a Rádio Cultura de Maringá, fundada por Samuel Silveira significou um marco na história da cidade: “Foi o destaque da época, ao levar notícias e informações à população. Primeiro por alto-falantes, depois pelos modernos equipamentos. Um raio no meio da noite escura era o que fazia a Cultura; trouxe cultura e diversão ao povo. Seus programas de auditório eram fantásticos, de onde surgiram artistas que brilharam pelo Brasil afora.”

     O pioneiro também destaca os jornais da cidade, O Jornal de Maringá e a Folha do Norte do Paraná, como forças propagadoras para o progresso de Maringá. Na visão de Jorge, o café foi fator determinante para o desenvolvimento e a propaganda, via rádio e jornais, se encarregou de atrair mais gente. Na dúvida entre escolher Maringá ou outras cidades, a Rádio Cultura e os jornais influenciavam na decisão.

     Entre histórias marcantes que foram largamente comentadas nas década de 50, Jorge cita as chibatadas que o prefeito Américo Dias Ferraz levou de Aníbal Goulart Maia, em 26 de dezembro de 1956, numa barbearia próxima da praça Napoleão Moreira da Silva: “Foi o grande assunto, muita conversa, não se falava em outra coisa naqueles dias. Foi presenciado por muita gente. Depois, Anibal teve sua casa incendiada. A revista Tradição fez uma série de reportagens sobre este episódio.”

     A chegada da primeira locomotiva em 1954, da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, e o trabalho para a colocação dos trilhos também são destacados por Jorge: “Dia de festa, foguetório, aplausos, afinal o trem de ferro dava status a Maringá e com ele vinha o progresso. Acampamentos de ferroviários, para a construção da linha, chegaram bem antes, para abrir a mata de Mandaguari a Maringá. O chefe desses acampamentos tinha autonomia, autoridade para punir algum companheiro que cometesse um crime ou se portasse mal. A lei era severa e cumprida à risca.”

      Jorge aponta um fato importante na Justiça da cidade logo após Maringá se tornar comarca: “Os processos ficaram mais ágeis porque antes tramitavam em Mandaguari ou em Apucarana. A vinda de Zeferino Mozatto Krukowski, primeiro juiz de Direito, foi marcante. Com sua paciência de jó, dava parecer em processos que se avolumavam. Ele foi um soldado a serviço da justiça e o fez com galhardia e capacidade.”

    Ele lamenta a precariedade da época para o registro dos acontecimentos. Eram poucos os fotógrafos e as filmagens eram realizadas somente por produtoras de São Paulo contratadas pela Cia Melhoramentos Norte do Paraná e em ocasiões muito especiais. Fotos de casamento e batizado, somente no estúdio fotográfico e por pessoas com certo poder aquisitivo.

        As dificuldades eram muitas. Havia a consciência de que era preciso trabalhar para sobreviver, para melhorar de vida. A perseverança era advinda da aceitação pelos membros da família da necessidade de que cada um fizesse a sua parte. O cotidiano de superação dos maringaenses de 60, 70 anos atrás pode supor algo próximo de um feliz romance ou de uma harmônica trajetória.

     Não era assim. O barro, a poeira, sem água encanada, água do poço, com a luz de lamparinas e lampiões, depois vieram os geradores, traduzem a aspereza daqueles tempos. Vida difícil na pequena cidade, e na zona rural, tão ou mais difícil. Jorge presenciou tudo isso e busca reforçar a figura da mulher: “A mulher teve papel preponderante na época. Trabalhava na roça com o marido e filhos, levava a boia das 9 horas e o café do meio-dia e ainda voltava para casa para preparar o jantar, lavar roupa, cuidar das camas, da roupa, dos filhos e atender o marido, este, nem sempre carinhoso, pois a dureza da época assim exigia. Uma heroína.”

     Os estrangeiros iam chegando: italianos, japoneses, portugueses, espanhóis, alemães, árabes. Trazendo suas tradições, seus costumes, foram se adaptando, aprendendo e ensinando, interagindo com os paulistas, nordestinos, mineiros, formando a nova comunidade, dando a ela uma cara multifacetada, rica. Sotaques diferentes ao som dos pássaros e dos martelos fincando pregos nas madeiras das casas que se espalhavam onde antes existia a densa mata.  

     Os bailes de formatura no Aero Clube, as festas no Grêmio dos Comerciários, os piqueniques no Horto Florestal, os churrascos nas casas dos amigos, a Sorveteria Oriental e os passeios nas praças, memórias de Jorge Fregadolli. Memórias mais intensas ainda dos encontros com os amigos nos bares, os bailes nos terreiros de café e os jogos de bola nos campos de terra. Memórias levantando a poeira da saudade do menino Jorge, do goleiro que jogou até os 70 anos de idade.   

(Crônica de Antonio Roberto de Paula originariamente publicada no livro “Maringá 70 anos – a cidade contada pelos que viveram sua história”, editado pela Unicesumar, tendo como autores Antonio Roberto de Paula, Dirceu Herrero Gomes, Miguel Fernando Perez Silva e Rogério Recco, 2017, 2018)      

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