Crônicas / O sorriso do velho

(Antonio Roberto de Paula

     Pelo que sei, tinha vindo do norte. Não sei qual norte. Ou seria do sul? Que era corintiano até a raiz, transferência da paixão que vinha do bisavô, mas nunca chutara uma bola. Gostava de cerveja aos domingos e nos outros dias da semana também. Sei que gostava de mulheres. Isso mesmo, no plural. De todas as cores, idades, vocações e tamanhos. No final, sossegou.

     Não tocava nenhum instrumento, mas cantava moda de viola acompanhando o CD do Tião Carreiro e Pardinho. Amava os filhos, todos os filhos, de todas as uniões. Mas, por último, descarregava quase todo o seu amor para os netos. Um deles tinha o seu tipo. Amava Deus e não sabia o que era religião. Na infância tentaram lhe explicar. Morreu sem entender. 

     Nunca deixou de votar, mas saía de perto quando vinham lhe falar de política. Não conhecia o mundo, mas do seu mundo era conhecedor. Nada sabia das cidades, mas a sua trazia na palma da mão. Era amigo dos velhos, dos moços e das crianças. Vivia com um sorriso pendurado na cara enrugada. Era um sorriso enigmático. Seria de vitória, de aceitação ou aquele que significa “O melhor está por vir”?

        Pelo que sei, morreu dormindo. Deitou com aquele sorriso de sempre, deixando os chinelos de couro arrumadinhos sobre o tapete ao lado da cama. Como se fosse precisar, no dia seguinte, de manhãzinha, enfiar os pés neles sem olhar. Deitou de lado, virando as costas para a vida.

    Disseram que não sofreu. Pelo contrário, acham que morreu feliz, que o comprido dever estava cumprido. Quando o sol estava alto, abriram a cortina e foram chamá-lo. Ao puxarem seu ombro se depararam com aquele sorriso de sempre. Agora era um sorriso meio zombateiro, como a dizer: “O que vocês querem? Já não estou mais aqui.” 

     Pelo que sei, era um burro de carga para o trabalho. Tinha cicatrizes nas mãos. Para cada uma delas, desfilava rosários de passagens que remontavam décadas. Calos, crostas eternas de recordações, provas de uma vida, vivida com todas as intensidades, trazidas nas mãos. Nunca teve álbum de fotografias, passarinhos na gaiola, radinho, relógio nem roupa domingueira. Não dava importância maior a determinados dias. Nem a determinadas pessoas.

    Ninguém chorou no seu enterro. Havia uma reverência sem lágrimas, um respeito sem dor. Uma fina chuva parecia cair só naquele círculo. Todos se olhavam como a dizer que ali estava um homem que havia conseguido dar uma rasteira na morte por ter sabido viver a vida. Antes da terra cobrir o caixão, deu para ver pelo pequeno vidro quadrado o seu sorriso maroto dizendo: “Valeu, foi muito bom.”

Veja Também

Um pedalando, outro na garupa

Em quase todas as tardes de domingo, entre 1967 e 1970, os garotos Serrinha e Perereca atravessavam a cidade de bicicleta para cobrir os jogos do Campeonato Amador da Liga Desportiva de Maringá.

Eram dois, até três jogos no mesmo horário no “Brinco da Vila”, na Operária, na “Telefônica”, na Vila Nova, no “Américo Dias”, o campo do SERM no Maringá Velho ou no Mandacaru. Um pedalava e outro

Guerreiro, São Jorge...

Sempre fui apaixonado por futebol, uma paixão infinitamente maior do que a minha qualidade como jogador amador. Tenho muitas histórias de arquibancada e de sofá que marcaram minha vida de amante da bola. Tenho algumas de campo e de quadra, poucas, mas tenho.Tenho uma de 1971, quando tinha 13 para 14 anos. Guardo esta história com grande carinho porque foi a primeira vez que consegui ser protagonista num jogo (uma das poucas vezes, por sinal).

Vou contar.

O rapazola dos bailes, bola e microfone

Otacílio Tatá Cabral de Souza chegou em Maringá há mais de 60 anos. Veio de Santos-SP, onde nasceu. Seu pai, Valter Cabral de Souza trabalhou nos anos 50 na Cafeeira Santa Luzia, do prefeito Américo Dias Ferraz. A família morava no Maringá Velho, numa casa atrás do Hotel Nossa Senhora de Fátima. Tatá veio com o terceiro ano do curso primário, o quarto ano foi no Curso Pernambucano de Ensino, na rua Aquidaban, hoje Ne

Série "Aquele jogo que eu não esqueço" - Luiz Fernando Evaristo

Esporte Clube Pinheiros, janeiro de 1977

"Eu estava com 11 pra 12 anos nessa foto aí. Meu pai, Alirio Evaristo, me levou para assistir o torneio Taça Cidade de Curitiba, em janeiro de 1977. Ele era torcedor do Colorado, e me disse "você tem que ver meu time, é um timaço maravilhoso, espetacular e tal, você vai gostar". Fim de jogo, Pinheiros 2x1 Colorado. Pensei comigo "se o time do meu pai é bom, imagine esse de azu

 Rua Pioneiro Domingos Salgueiro, 1415- sobreloja - Maringá - Paraná - Brasil

 (44) 99156-1957

Museu Esportivo © 2016 Todos os diretos reservados

Logo Ingá Digital