Quando a menina Arlene Lima, mineira de São Sebastião do Paraíso, nascida em 16 de julho de 1937, chegou em Maringá, vivia chorando de saudades da sua terra natal e dos amigos que deixara para trás. Seu pai, Ary de Lima, havia recebido uma promoção no banco em que trabalhava, o Banco Mineiro da Produção. Seria gerente da agência inaugurada em Maringá, na avenida Duque de Caxias, em 1953. A família Lima, a esposa Helena e os filhos Paulo Rubens, João Gualberto, Cezar Lima e Arlene, se instalou no alto da agência.
Nas ruas sem asfalto, no revezamento entre o barro e a poeira, Arlene vivia a lamentar sua sorte desde que fora obrigada a deixar a centenária cidade de Minas Gerais, que faz divisa com São Paulo, para acompanhar a família naquele lugar onde tudo começava. Daqueles dias, alguns fatos ficaram marcados na sua vida. Um deles aconteceu depois de uma noite chuvosa. Arlene estava passeando pela avenida Brasil, trajando um belo vestido de linho. Sem perceber, um jipe passou espalhando a água das poças dos buracos. A lama cobriu a moça e o seu vestido. Vieram as lágrimas de tristeza e revolta e a certeza de que não se acostumaria.
Não só se acostumou como teve despertada a missão, ou a premente necessidade, de ajudar as pessoas pobres, carentes, desamparadas. Uma amiga a convidou para assistir um culto na Igreja Presbiteriana. Tornou-se membro. Posteriormente, ingressou na Igreja Missionária, fundada pelo pastor Airton Aquiles Justo, já falecido, de quem se tornou esposa e com ele teve três filhos, seis netos e quatro bisnetos.
A religião fez Arlene enxergar a importância da fé com obras e a Maringá daqueles dias possibilitou a prática. Por volta de 1956, havia uma favela no final do Maringá Velho com cerca de cinquenta barracos. Mulheres doentes ou abandonadas, vivendo de empregos temporários ou de esmolas, crianças subnutridas, sem a garantia do alimento diário. Crescia o Maringá Novo e pobreza também marcava ponto. Não foram poucas as vezes em que Arlene pegava o jipe do pai e, acompanhada do irmão Paulo, distribuía roupas e alimentos na favela. Acordos dos donos de terrenos com os ocupantes, tendo a intermediação da Prefeitura, puseram fim ao lugar no final daquela década.
Mas, no início dos anos 60, outra favela surgia em Maringá. Agora, ao lado do Cemitério Municipal, durante a primeira administração de João Paulino. Segundo Arlene, o núcleo com dezenas de casas foi extinto depois que o prefeito providenciou transporte para quem quisesse voltar para sua cidade de origem, e quem optou em permanecer na cidade, ganhou alguns meses de aluguel pagos pela Prefeitura. Arlene defende JP, contradizendo os opositores da época, e enfaticamente diz que os barracos só foram derrubados depois que os moradores tinham conseguido um lugar para ficar.
Daquela comunidade vem boas lembranças, principalmente quando reunia as crianças para contar histórias da Bíblia e depois distribuir alimentos. Uma daquelas crianças, ela veio a saber muito tempo depois, era o pastor Jacó Vieira, da Igreja Missionária Central de Maringá. Nas suas pregações, o pastor Jacó gosta de citar a figura de Arlene na favela do Cemitério dizendo que “ela trazia a bíblia numa mão e o alimento na outra.”
Aquele trabalho foi o embrião do Lar Betânia, fundado por Arlene Lima em 1965, em um terreno pertencente à igreja dirigida pelo pastor Airton. Na avenida Guedner, Zona 8, lote adquirido dez anos antes por missionários dos Estados Unidos, país de origem da Igreja Missionária. A intenção dos missionários era fazer do local um seminário para a formação de pastores, mas acabaram optando por Londrina. Ali havia apenas uma casinha de madeira, sem luz elétrica e sem água encanada.
Era comum encontrar pelas ruas da cidade crianças abandonadas, em situação de risco. Maringá não contava com o Conselho Tutelar, o Juizado de Menores, e a Prefeitura não tinha um trabalho de assistência social oficializado. Havia somente o Lar Escola da Criança, que atendia meninos.
Maria Madalena, conhecida cantora maringaense, funcionária pública municipal, foi a primeira criança do Lar Betânia. Naquele ano, outras cinco chegaram. A notícia de um local para abrigar crianças desamparadas se propagou e o Lar Betânia cresceu. Em 1966, uma casa de alvenaria foi construída; dois anos depois, outra; no ano seguinte, mais uma. E assim, sucessivamente até chegar a um pavilhão com seis casas, um campo de futebol e um parque infantil.
No final dos anos 60, o Lar chegou a ter 45 internos com idade limite de 12 anos. Em cada casa havia um casal, os “pais” das crianças, que eram convidados a morar no Lar a partir de um rigoroso processo de seleção. O alimento e os itens de primeira necessidade vinham do Atacadão, empresa que o seu irmão Paulo era proprietário, a carne do Frigorífico Central, o leite do Laticínios Maringá e a população completava a ajuda. Médicos e dentistas eram voluntários no atendimento às crianças.
Mais de 3 mil meninos e meninas passaram pelo Lar Betânia ao longo das décadas. Crianças que perderam os pais ou foram abandonadas ganharam um lar e grande parte delas até hoje mantém contato com Arlene. Em junho de 2014, em um clima de muita emoção, 230 pessoas que passaram pelo lugar idealizado e criado por Arlene, com o apoio da Igreja Missionária, se reuniram em Maringá. Pessoas das mais variadas profissões, de diversas cidades brasileiras, que constituíram família, retornaram ao lugar onde foram amparadas e encaminhadas para construir suas vidas.
Além deste trabalho, Arlene participou do importante projeto visando o apoio e a recuperação de ex-presidiários, o Patronato Betânia, uma casa que funcionou de 1970 a 1990 em frente ao Horto Florestal. Com capacidade para abrigar 20 pessoas, vivia sempre lotada. Eles eram acolhidos e lá ficavam até conseguir uma ocupação, uma casa e recebiam tratamento médico.
O Lar Betânia também já não existe. Crianças abandonadas já não compõem o triste cenário da Maringá dos anos 50, 60, 70, 80. A Igreja Missionária pretende fazer uma creche para idosos no local. Arlene Lima deixou a instituição em 1992. Quando Said Ferreira se reelegeu prefeito em 1992, a chamou para atuar na área da habitação. Em 1997, foi eleita vereadora. Uma experiência única. E uma única vez bastou.
Aos 80 anos, Arlene é membro da Academia de Letras de Maringá, gosta de viajar, atua na Igreja, participa de eventos, tem uma memória prodigiosa. Conta que o pai era professor de português no Colégio Dr. Gastão Vidigal, nos anos 50, junto com Giampero Monacci, Geraldo Altoé e o Cônego Teles, que chegavam a ficar um ano sem receber do Governo do Estado e se revezavam nos financiamentos no banco para conseguirem dinheiro.
Ary de Lima ficou sem emprego depois que o Banco Mineiro da produção foi vendido devido a insolvência dos cafeicultores que perderam a produção na terrível geada de 1955 e não puderam saldar suas dívidas. E Arlene tinha começado a trabalhar com o pai na agência. Tempo de dificuldades e de superação. Arlene matriculada no Colégio Santa Cruz em 1954 e deixando a escola no ano seguinte para se casar com Airton. Pastor Airton, um homem de fé e empreendedor, líder religioso, que fez a Igreja Missionária crescer junto com a cidade.
As passagens são variadas, um vai-e-vem no tempo. Arlene menina, de bicicleta, indo do Maringá Novo ao Maringá Velho. Na volta, fogo na mata que separava a cidade, Arlene alérgica à fumaça, o desmaio após conseguir atravessar, a morte de perto, salva a tempo. O Cine Maringá, os passeios aos domingos na avenida Getúlio Vargas, os piqueniques aos sábados e domingos com os filhos no Horto Florestal, sanduíche de pão com mortadela, amendoim torrado e guaraná; os macaquinhos e os pássaros, muitos pássaros, a pescaria com varinhas e peneiras. Em cidade pequena, qualquer coisa é um alvoroço. O fogo na casa de Anibal Goulart! A cidade inteira foi ver. Os comícios que lotavam a praça Raposo Tavares e na Operária, na avenida Brasil esquina com a Riachuelo. Ary de Lima adversário de João Paulino, depois se tornaram amigos. Ary vereador, deputado federal, poeta, compôs numa tacada só dez hinos para cidades, Maringá entre elas, ele e o maestro Aniceto Matti. Ary pai querido, que tinha uma chácara em frente ao Lar Betânia e o que produzia de frutas e verduras levava para as crianças que o chamavam de Vô. Ary que faleceu em 1998, pai de Arlene, a menina que chorava de saudade da quase bicentenária São Sebastião do Paraíso e que hoje vive a colecionar recordações da sua amada Maringá.
(Crônica de Antonio Roberto de Paula do livro 'Maringá 70 anos', publicado em 2017 pela Unicesumar,com textos, além de De Paula, de Dirceu Herrero Gomes, Miguel Fernando e Rogério Recco)
Arlene Lima faleceu no dia 9 de janeiro de 2025.
Descanse em paz, querida amiga Arlene Lima, parceira do Museu Esportivo de Maringá.
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Camisas que contam muitas histórias
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Camisa da Associação Bamerindus, estado do Paraná.
Número 10
Fabricante: Campeã.
Década de 1990.
Doação: Osvaldo Luiz Patrão e Aldi Cesar Mertz.
Entrada no acervo do MEM: 7 de setembro de 2023.
José Alves de Moura, nascido em Cupira, Pernambuco, em 15 de março de 1958, mudou-se ainda jovem para Londrina, antes de estabelecer-se em Maringá em 1998. Pai dedicado de Talissa e Tayene, Moura teve uma carreira variada: trabalhou como bancário, escriturário e depois se aventurou como microempresário no setor de aviamentos, tanto em Londrina quanto em Maringá.
Sua trajetória no atletismo começou tardiamente, em 1999, a
Enoc Afonso de Carvalho nasceu no dia 23 de março de 1935 na cidade de São João do Rio do Peixe, na Paraíba. Chegou em Maringá no dia 9 de outubro com os irmãos José e Elvidio e o primo Zuca. Elvidio ficou pouco tempo, voltou para a Paraíba e faleceu.
Por que Maringá? Porque Geraldo Afonso de Carvalho, primo de Enoc, que tinha vindo para o Paraná num pau de arara, caminhã
“Quilômetros de papel e rios de tinta imprimem o futebol ao longo dos anos, atravessando gerações. Na era digital, as Imagens avançam pelos céus, rompem todas as fronteiras. As vozes do amor ao futebol ecoam pelo grande campo que é o mundo. Agora, em algum lugar, alguém chuta uma bola. A paixão mais documentada da história não para. O jogo nunca termina.”
(Antonio Roberto de Paula)
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